Falar de imagens sem compreendê-las: Apichatpong Weerasethakul
http://vimeo.com/127996993
Escrever tem a ver com o esforço de compreender aquelas imagens que persistem quando o olhar já seguiu adiante. Ou, antes disso, a escrita é parte desse exercício de permanência das imagens. A compreensão é só um pretexto. Quantas vezes eu fiquei parado diante de uma página em branco sem saber por onde começar… Não havia nada a ser dito, o que havia era apenas a própria imagem que persistia.
Depois de um tempo, a linguagem pode chegar a desenhar a topografia desse lugar de permanência. Assim eu vejo a crítica: o desenho mais ou menos arbitrário de um espaço que se deseja compartilhar, portanto, uma imagem que se sobrepõe a outra imagem. Mas, às vezes, a página em branco resiste e é preciso admitir que nem isso a escrita consegue fazer.
Tudo isso porque queria dizer alguma coisa sobre um filme, Cemitério do Esplendor (2015), do diretor tailandês – de nome impronunciável – Apichatpong Weerasethakul. Já havia havia escrito sobre seu Tio Boonmee, que pode relembrar suas vidas passadas (2010). Desta vez, não achei uma forma. Fiz então o que faria qualquer curioso: busquei referências.
Já havia lido a sinopse, que reproduzo aqui para me livrar da difícil tarefa de decidir o que dizer e o que não dizer de uma história que permanece cheia de lacunas:
Soldados com uma misteriosa doença do sono são transferidos para um hospital provisório instalado em uma antiga escola abandonada. Jenjira torna-se voluntária para tratar de Itt, um belo soldado que ninguém vem visitar. No hospital, ela faz amizade com a jovem médium Keng que utiliza os seus poderes para ajudar os parentes a se comunicarem com os homens adormecidos. Um dia, Jenjira encontra o diário de Itt preenchido de palavras e desenhos estranhos. Talvez haja uma conexão entre a síndrome enigmática dos soldados e o mítico local em que o hospital se encontra. A magia, a cura, o romance e os sonhos misturam-se no frágil caminho de Jenjira em direção ao conhecimento profundo de si própria e do mundo à sua volta.
É uma síntese bem construída mas que, se for lida a partir do nosso cinema de fantasia, promete uma solução que nunca chegará da maneira como esperamos. No filme, os elementos mágicos simplesmente habitam aquela realidade.
No mais, encontrei comentários hesitantes sobre a religiosidade tailandesa e tentativas forçosas de interpretar algumas simbologias pontuais. Algumas pistas são recorrentes: seus soldados apaziguados pelo sono podem ser uma resposta à repressão militar que tomou conta de seu país recentemente. Por fim, achei a voz humilde e solidária do crítico José Carlos Avellar:
Se aceitarmos a hipótese de gostar de um filme sem exatamente compreender o que ele nos fala, por falta de conhecimento da cultura que inspirou sua invenção, chegamos perto da sensação provocada por Cemitério do esplendor, de Apichatpong Weerasethakul, exibido em Cannes na mostra Un certain regard. Nele, estamos na fronteira entre os vivos e os mortos, entre o que percebemos nos sonhos e o que vemos quando despertos.
Esse pequeno texto pode parecer insuficiente como crítica, mas é de uma honestidade perturbadora. A honestidade sim, é um requisito fundamental para a crítica. A compreensão, um tanto menos.
Assumindo isso, posso ao menos tentar fruir os próprios limites que o filme me coloca. Assumo que a distância entre o meu mundo e o de Weerasethakul é o que impede a compreensão: não sei nada sobre a história, as paisagens, os costumes, a religiosidade tailandesa. E posso assumir a experiência da distância como algo que o filme oferece. Não apenas a distância, mas uma certa distância, por si mesma singular e difícil de situar.
Lembro de quando o cinema iraniano não me parecia cinema: sentia a força das imagens, mas os diálogos, a montagem, a narrativa, a duração das cenas não faziam sentido. Com o tempo, fomos negociando um lugar no ocidente para essas imagens: de um lado, expandimos nossa concepção de cinema e, de outro, diretores como Abbas Kiarostami (Cópia Fiel, 2010) ou Asghar Farhadi (A Separação, 2011) se esforçaram para acolher um pouco mais os olhares formados por Hollywood, sem poupá-los totalmente do estranhamento.
Cemitério do Esplendor nos confronta com uma alteridade forte, mas não exatamente imaculada. O diretor mostra um território em transformação. Mas, assim como um grupo de crianças insiste em jogar bola num campo de futebol transformado em canteiro de obras, Janjira ainda é capaz de passear pelos cômodos de um palácio ancestral que já não se enxerga. Nesse lugar, as imagens também persistem.
Weerasethakul não é um nativo que foi presenteado com uma câmera, ele constrói habilmente essas imagens. Ele teve parte de sua formação nos Estados Unidos e transita com fluência pelos festivais internacionais. Todos os comentadores destacam o modo como seu cinema abre espaço para elementos tradicionais da cultura de seu país. Mas esse filme está repleto de referências ao ocidente.
Janjira é uma figura de uma benevolência que só parece possível em algum canto esquecido do planeta. Mas ela fala inglês e vive com um soldado americano aposentado que conheceu pela internet. No altar de um templo onde ela reza com seu marido, duas divindades femininas são representadas por esculturas que lembram manequins de uma loja, reproduzidas também por uma fotografia na parede. Quando essas entidades encarnam diante Janjira, antes de revelar quem são, mostram a ela as blusas que acabaram de comprar, como se chegassem de um shopping center. Por fim, uma cena que se repete tantas vezes no filme: para oferecer conforto aos soldados tailandeses mergulhados naquele sono misterioso, o hospital implanta uma tecnologia dizem ter sido testada com sucesso pelos americanos na guerra do Afeganistão: luminárias que ornamentam aquele ambiente rústico com uma variação de cores fortes, que parecem ter sido desenhadas por um artista pop.
Aqui reside o maior estranhamento. De um lado, os elementos estrangeiros parecem atravessar os hábitos mais tradicionais sem perturbá-los. Os personagens não os repudiam, ao contrário, lidam com eles com a mesma naturalidade que manifestam diante de qualquer outra aparição. De outro, esses elementos nem se acomodam e nem desaparecem nas cenas. No filme, esses elementos contrastantes convivem com uma delicadeza surpreendente.
Se sou incapaz de interpretar os elementos que compõe a narrativa do filme, posso ao menos avançar um pouco mais naquilo que dele persiste. Cemitério do Esplendor transborda a experiência de uma certa distância e, com ela, também um sentimento de tolerância: a beleza de conviver com aquilo que não se pode assimilar nem compreender totalmente. Se os personagens ainda são capazes de enxergar seus sonhos por meio de dispositivos que lhes são alheios, podemos fazer o mesmo por meio de um cinema que não é o nosso.
Speaking of images without understanding them: Apichatpong Weerasethakul
http://vimeo.com/127996993
Writing has to do with the effort of understanding those images that persist when the look already went ahead. Or, before that, writing is part of this exercise of permanence of images. Understanding is only a pretext. How many times did I stand in front of a blank page without knowing where to start ... There was nothing to be said, what was there was only the image itself that persisted.
After a while, the language can even draw the topography of this place of permanence. Thus I see criticism: the more or less arbitrary design of a space that one wishes to share, therefore, an image that overlaps another image. But sometimes the blank page resists and you have to admit that even this writing can not do.
All this because I wanted to say something about a film, Cemetery of Splendor (2015), by the Thai director - unpronounceable name - Apichatpong Weerasethakul. He had already written about his Uncle Boonmee, who can recall his past lives (2010). This time I did not find a way. So I did what would make any curious: I sought references.
I had already read the synopsis, which I reproduce here to get rid of the difficult task of deciding what to say and what not to say of a story that remains full of gaps:
Soldiers with a mysterious sleeping sickness are transferred to a temporary hospital housed in an abandoned old school. Jenjira becomes a volunteer to deal with Itt, a handsome soldier no one comes to visit. In the hospital, she befriends the young psychic Keng who uses her powers to help relatives communicate with sleeping men. One day, Jenjira finds Itt's diary filled with strange words and drawings. Perhaps there is a connection between the enigmatic syndrome of the soldiers and the mythical location in which the hospital is located. Magic, healing, romance and dreams blend into Jenjira's fragile path toward deep knowledge of herself and the world around her.
It is a well-constructed synthesis but one which, if read from our fantasy cinema, promises a solution that will never arrive the way we expect. In the movie, the magical elements simply inhabit that reality.
Moreover, I found hesitant remarks about Thai religiosity and forced attempts to interpret some punctual symbologies. Some clues are recurring: his sleep-stricken soldiers may be a response to the military repression that has gripped his country recently. Finally, I found the humble voice of the critic José Carlos Avellar:
If we accept the likelihood of liking a film without exactly understanding what it tells us, for lack of knowledge of the culture that inspired its invention, we come close to the sensation of Apichatpong Weerasethakul's Cemetery of Splendor, exhibited at Cannes at the Un Certain regard In it, we are on the border between the living and the dead, between what we perceive in dreams and what we see when awake.
This little text may seem insufficient as criticism, but it is a disturbing honesty. Honesty is a critical requirement for criticism. The understanding, somewhat less.
Assuming this, I can at least try to enjoy the very limits that the film puts me. I assume that the distance between my world and that of Weerasethakul is what hinders understanding: I know nothing about history, landscapes, customs, Thai religiousness. And I can take the experience of distance as something the film offers. Not only distance, but a certain distance, in itself singular and difficult to locate.
I remember when the Iranian cinema did not look like cinema to me: I felt the force of the images, but the dialogues, the assembly, the narrative, the duration of the scenes did not make sense. Over time, we have been negotiating a place in the West for these images: on the one hand, we have expanded our conception of cinema and, on the other hand, directors such as Abbas Kiarostami (Copy Faithful, 2010) or Asghar Farhadi (The Separation, 2011) to take in a little more the looks formed by Hollywood, without sparing them totally from the strangeness.
Cemetery of Splendor confronts us with a strong, but not exactly immaculate, alterity. The director shows a changing territory. But just as a group of children insists on playing soccer on a football pitch turned into a construction site, Janjira is still able to wander through the rooms of an ancestral palace that can no longer be seen. In this place, the images also persist.
Weerasethakul is not a native who was gifted with a camera, he skillfully builds these images. He has had part of his training in the United States and is fluent in international festivals. All commentators highlight the way their cinema opens up space for traditional elements of the culture of their country. But this movie is replete with references to the West.
Janjira is a figure of a benevolence that only seems possible in some forgotten corner of the planet. But she speaks English and lives with a retired American soldier she met on the internet. On the altar of a temple where she prays with her husband, two female deities are represented by sculptures that resemble mannequins in a store, also reproduced by a photograph on the wall. When these entities incarnate before Janjira, before revealing who they are, they show her the blouses they have just bought, as if they came from a shopping center. Finally, a scene that is repeated so many times in the film: to provide comfort to Thai soldiers immersed in that mysterious sleep, the hospital implants a technology they have been successfully tested by Americans in the war in Afghanistan: lamps that decorate that rustic environment with a strong color variation that seems to have been drawn by a pop artist.
Here lies the greatest strangeness. On the one hand, foreign elements seem to cross traditional habits without disturbing them. The characters do not disown them, on the contrary, they deal with them with the same naturalness that they manifest before any other apparition. On the other hand, these elements neither accommodate nor disappear in the scenes. In the film, these contrasting elements coexist with surprising delicacy.
If I can not interpret the elements that make up the narrative of the film, I can at least go a little further in what persists. Graveyard of Splendor overflows the experience of a certain distance and with it also a feeling of tolerance: the beauty of living with what can not be fully understood or understood. If the characters are still able to see their dreams through devices that are alien to them, we can do the same through a cinema that is not ours.
A fotografia e o desejo de happening
Ao mostrar Jackson Pollock em ação, os registros de Hans Namuth (1950-51) deram um desenho mais nítido àquele corpo em movimento que já era de algum modo visível nas próprias pinturas. O gesto pode ser intuído de qualquer pintura, seja um Rembrandt, seja um Van Gogh mas, no caso de Pollock e de todos os pintores que foram associados à Action Painting, a reconexão de um resultado com esse gesto que lhe deu origem é um dos sentidos almejados pela obra.
The photography and the desire of happening
By showing Jackson Pollock in action, Hans Namuth's records (1950-51) gave a sharper picture to that moving body that was already somewhat visible in the paintings themselves. The gesture can be intuited of any painting, whether a Rembrandt or a Van Gogh, but in the case of Pollock and all the painters who were associated with Action Painting, the reconnection of a result with that gesture that gave rise to it is one of the the work.
Jackson Pollock, 1950-1. Foto de Hans Namuth
Na medida em que os artistas se abrem a tantas novas experimentações, acentua-se o desejo de enxergar seus processos de trabalho. Na passagem para os anos de 1960, era possível ver artistas como Allan Kaprow, John Cage, Robert Rauschenberg ou os integrantes do grupo Fluxus produzindo suas obras diante de uma plateia. Os happenings, como Kaprow batizou esses eventos, buscavam aproximar o público do processo de criação, incorporando improvisos e abrindo-se à interação dos presentes.Mas os happenings, que deveriam desmistificar o gesto do artista, correram muitas vezes o risco de fetichizá-lo ainda mais. Para alguns, essa era a oportunidade de de participar da realização de uma obra, para outros, era a ocasião de ser abençoado pela presença de uma figura cultuada.
Os admiradores da fotografia não ficaram imunes a esse desejo de happening. Mas havia aqui um paradoxo: entendida como uma arte do instante, a fotografia moderna se pensou muitas vezes como um fazer sem processo. Nesse caso, o “acontecimento” é a própria imagem, que se resolve numa ação discreta e econômica que tem a duração do próprio instante.
Maneira simplista de pensar a fotografia, essa ideia cai por terra quando vemos a folha de contato de um fotógrafo: nele, percebemos que a presença do fotógrafo no local foi planejada, que cena foi antevista, mapeada, cercada, que a imagem foi testada, refeita, negociada, e posteriormente editada. Os modos singulares de aguardar esse instante já são passíveis de análise (como demonstrou Maurício Lissovsky, no livro Máquina de Esperar, 2008). Mas, ao isolar e supervalorizar o momento da tomada, cria-se a ideia de que a imagem surge como uma comunhão repentina entre o olhar e o mundo. Essa mística serve também para reintroduzir a ideia de “dom” numa produção que tantas vezes foi entendida como mecânica, desprovida de espiritualidade.
Se o fazer da fotografia é assim inapreensível, o que pode então responder ao desejo de happening? O que pode ser oferecido como espetáculo? Ainda há, pelo menos, um corpo em torno desse instante, e pouco importa se conseguimos ou não relacionar suas ações às imagens. Vale um pouco de tudo: como o fotógrafo empunha a câmera? Como ele caminha? Como ele ocupa o espaço? Como seu corpo se porta diante da cena?
O cinema, seja ele documental ou ficcional, permite localizar no trabalho com fotografia os movimentos desse corpo celebrado. Aqui vão quatro exemplos:
1. Comentando um clip mostrado na exposição de Cartier-Bresson, no Centro Georges Pompidou (2014), a fotógrafa Viviane Li traz o seguinte relato em seu blog: Cartier-Bresson tinha a leveza nos pés (light on his feet), ele manobrava seu corpo alto e esbelto como um pardal com pés de bailarino. Ele era rápido, delicado, furtivo, um observador intenso. As luvas de couro que vestia não o deixavam moroso. Com sua câmera de alça encurtada, ele às vezes a segurava abaixada pelo seu canto direito, atrás de suas costas, enquanto caminhava e observava. Antes que seus retratados pudessem perceber que estavam sendo fotografados, ele já havia feito sua tomada discretamente e ido embora. Você tem verdadeiramente a sensação de estar assistindo a um mestre trabalhando.
As artists open themselves to so much new experimentation, the desire to see their work processes is heightened. In the passage to the 1960s, it was possible to see artists like Allan Kaprow, John Cage, Robert Rauschenberg or the members of the Fluxus group producing their works before an audience. The happenings, as Kaprow baptized these events, sought to bring the public closer to the process of creation, incorporating improvisations and opening up to the interaction of those present.
But happenings, which ought to demystify the gesture of the artist, often ran the risk of fetishizing him further. For some, this was the opportunity to participate in the performance of a work, for others, it was the occasion to be blessed by the presence of a cultured figure.
The admirers of photography were not immune to this desire for happening. But here was a paradox: understood as an art of the moment, modern photography was often thought of as doing without process. In this case, the "event" is the image itself, which is resolved in a discrete and economic action that has the duration of the moment itself.
A simplistic way of thinking about photography, this idea collapses when we see the contact sheet of a photographer: in him, we perceive that the presence of the photographer in the place was planned, that scene was previewed, mapped, surrounded, that the image was tested, remade, negotiated, and subsequently edited. The singular ways of waiting for this moment are already amenable to analysis (as demonstrated by Maurício Lissovsky in the book Waiting Machine, 2008). But by isolating and over-valuing the moment of the taking, the idea is created that the image emerges as a sudden communion between the gaze and the world. This mystique also serves to reintroduce the idea of "gift" in a production that has so often been understood as mechanical, devoid of spirituality.
If the making of the photograph is thus unapprehensible, what can then respond to the desire for happening? What can be offered as a show? There is still at least one body around that instant, and it matters little whether or not we can relate their actions to images. It's worth a little bit of everything: how does the photographer handle the camera? How does he walk? How does it occupy space? How does your body handle the scene?
The cinema, whether documentary or fictional, allows to locate in work with photography the movements of this celebrated body. Here are four examples:
1. Commenting on a clip shown at the Cartier-Bresson exhibition at the Georges Pompidou Center (2014), the photographer Viviane Li brings the following story on her blog: Cartier-Bresson had lightness on her feet, he maneuvered his body tall and slender like a sparrow with dancer's feet. He was fast, delicate, stealthy, an intense observer. The leather gloves he wore did not leave him sloppy. With his shortened strap camera, he would sometimes hold her down his right corner behind his back as he walked and watched. Before his portraits could realize they were being photographed, he had already taken his shot discreetly and gone. You truly have the feeling of watching a working master.
ESCRAVIDÃO -- TORTURADOS DA DITADURA -- INDIVÍDUOS ALVOS (TIs)
Três formas de Torturas NACIONAIS
Torturas físicas (mental/física) - Torturas Mecânicas (mental//física instrumentalizada) - Torturas Tecnolológicas Mentais (mental/física//equipamentos altamente sofisticados)
Desde o fim da ditadura, o “torturado” foi a primeira e mais perene encarnação de suas vítimas. E, no entanto, nas duas décadas que se seguiram ao fim da ditadura, nenhuma outra figura foi tão cercada de silêncios: silêncio a respeito dos torturadores, igualmente protegidos pela anistia; silêncio dos torturados, em virtude do trauma e do receio de que fossem considerados “delatores” de seus companheiros; silêncio em virtude de que seu testemunho, preso ao passado, não servisse ao futuro; silêncio em torno da derrota da luta armada – da qual muitos haviam participado –, uma vez que foram os chamados setores “democráticos” da esquerda que se apresentaram então como os vitoriosos “fiadores” da transição. Uma das poucas exceções foi o documentário de Lúcia Murat, Que bom te ver viva, de 1989, que mesclou cenas de ficção ao testemunho de oito mulheres que haviam sido presas e torturadas.
A representação icônica mais frequente do torturado não foi a lança de concreto concebida por Niemeyer para o Movimento Tortura Nunca Mais [ver Parte I], mas uma das mais antigas formas de suplício documentadas no Brasil: o pau-de-arara. Sua primeira aparição ocorre em uma gravura de Debret em que um feitor castiga um escravo. A versão original é uma aquarela de 1828. Debret anotou a lápis, em francês, “Feitores corrigant (sic) des nègres à la roça”. Não sei se o método já se chamava “pau-de-arara” na época, pois o que o torna semelhante às hastes onde se empoleiravam os brasileiríssimos papagaios é a suspensão do supliciado.
Jean-Baptiste Debret. Feitores corrigem negros na Roça, 1828.
Since the end of the dictatorship, the "tortured" was the first and most perennial incarnation of its victims. And yet, in the two decades that followed the end of the dictatorship, no other figure was so surrounded by silences: silence about torturers, equally protected by amnesty; silence of the tortured, because of the trauma and the fear that they were considered "informers" of their companions; silence because his testimony, attached to the past, did not serve the future; silence about the defeat of the armed struggle - of which many had participated - since it was the so-called "democratic" sectors of the left that then appeared as the victorious "guarantors" of the transition. One of the few exceptions was Lúcia Murat's documentary, Que bueno te vi viva, which mixed scenes of fiction with the testimony of eight women who had been arrested and tortured.
The most iconic depiction of the tortured was not the concrete spear designed by Niemeyer for the Never Torture Movement [see Part I], but one of the oldest forms of torture documented in Brazil: the macaw. His first appearance occurs in an engraving of Debret in which a feitor punishes a slave. The original version is a watercolor from 1828. Debret wrote down in French, "Correcting Feathers (sic) des nègres à la roça". I do not know if the method was already called "pau-de-arara" at the time, since what makes it similar to the stems where the Brazilian parrots perched is the suspension of the victim.
O pau-de-arara consiste numa barra de ferro suspensa que é atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho, sendo o “conjunto” colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pendurado a cerca de 20 ou 30 cm. do solo. Este método quase nunca é utilizado isoladamente, seus ‘complementos’ normais são o eletrochoque, a palmatória e o afogamento.Não podemos afirmar que seja a forma mais comum de tortura no Brasil, mas é seguramente sua representação mais popular. Uma busca por imagens na Internet, relacionando as palavras tortura e ditadura, nos oferece sempre um pau-de-arara como primeira opção. Ainda que cenas de tortura sejam raríssimas em livros escolares, a única representação que encontrei em um capítulo dedicado à ditadura corresponde a esse suplício. Na internet, uma fotografia se destaca por sua aparência documental, conferindo-lhe aura de autenticidade – corroborada pela aparência do jovem e o ambiente datado – e contribuindo para a sua difusão.
“Tortura à Brasileira”, segundo o jornal Movimento (1979).
The macaw has migrated from the slave farms to the common police stations and from these to political police torture rooms. In the midst of this migration, the stick turned to iron. And as reported by a Minas Gerais student arrested in 1970, he occupied a privileged place in the macabre rite of Brazilian political prisons. Around him were other procedures:
The woodpecker consists of a suspended iron bar that is crossed between the tied knuckles and the knee fold, the "set" being placed between two tables, the tortured body being hung at about 20 or 30 cm. from soil. This method is almost never used alone, its normal 'complements' are the electroshock, the candlestick and the drowning.
We can not say that it is the most common form of torture in Brazil, but it is surely its most popular representation. A search for images on the Internet, relating the words torture and dictatorship, always offers us a macaw as a first choice. Although scenes of torture are rare in school books, the only representation I found in a chapter dedicated to dictatorship corresponds to this torture. On the internet, a photograph stands out for its documentary appearance, giving it an aura of authenticity - corroborated by the youth's appearance and the dated environment - and contributing to its diffusion.
Não nos surpreende, portanto, que o primeiro monumento referente às vítimas da ditadura efetivamente erguido no país tenha sido um pau-de-arara. Resultou de concurso promovido pela Governo de Pernambuco em parceria com braço local do Grupo Tortura Nunca Mais, em 1988, vencido por um projeto de escultura desenvolvido por três arquitetos. Trata-se de um quadrado parcialmente vazado, de 7 x 7 metros, com uma figura humana, pouco maior que o tamanho real, pendurada no centro. Sua construção não foi imediata – apenas em 1993, cinco anos depois do concurso, foi erguido às margens do Rio Capibaribe, cartão postal da cidade de Recife, em uma área que o governo pretendia reurbanizar. Sua realização só foi possível graças ao apoio financeiro da Associação Brasileira de Cimento Portland – ABCP, que pretendia transformar a área em um parque de esculturas feitas com cimento. O fato de que um monumento político dessa natureza tenha servido igualmente ao marketing de empresas que estiveram entre as maiores beneficiárias das grandes obras de engenharia civil realizadas pela ditadura, na década de 1970, não deixou de gerar polêmica.
Monumento “Tortura Nunca Mais”, Recife (1988-1993). Fotografia de Mauricio Lissovsky.
It was, however, a staging; or rather a demonstration by a reporter in the editorial of the "Movimento Jornal", a leftist weekly that circulated between 1975 and 1981. The headline of the newspaper, which published the article in double page, leaves no room for doubt: the stick -arara was a genuinely national "method of investigation" - "Brazilian torture." In fact, in a country that was called, in the sixteenth century, the Land of the Parrots, the Brazilianness of the macaw was undeniable.
It is not surprising, therefore, that the first monument referring to the victims of the dictatorship actually erected in the country was a macaw. It resulted from a contest promoted by the Government of Pernambuco in partnership with the local arm of the Grupo Tortura Nunca Mais in 1988, won by a sculpture project developed by three architects. It is a partially leveled square, 7 x 7 meters, with a human figure, slightly larger than the actual size, hanging in the center. Its construction was not immediate - just in 1993, five years after the contest, it was erected on the banks of the Rio Capibaribe, a postcard of the city of Recife, in an area that the government intended to redevelop. Its accomplishment was only possible thanks to the financial support of the Brazilian Association of Portland Cement - ABCP, which sought to transform the area into a park of sculptures made with cement. The fact that a political monument of this nature also served to market companies that were among the biggest beneficiaries of the great civil engineering works carried out by the dictatorship in the 1970s, did not fail to generate controversy.
Com a eleição de Lula, o ciclo de ambiguidades envolvendo o pau-de-arara encontra sua expressão máxima. Um pau-de-arara presidente era o melhor modo do país vingar-se das elites e da violência contra os pobres, da qual a polícia e seus paus-de-arara não passavam, desde os tempos da escravidão, de cruéis prepostos. Mas uma imagem revelada no contexto das investigações da Comissão Nacional da Verdade volta a nos inquietar.
Uma de suas principais contribuições foi dedicar um dos capítulos de seu relatório final a violações dos direitos humanos junto a camponeses e grupos indígenas. Distantes dos centros urbanos e das classes médias, estes grupos não faziam parte do panteão imaginário das vítimas da ditadura. Dessa iniciativa decorre uma das mais surpreendentes revelações desde que os trabalhos da Comissão se iniciaram: um fragmento de filme 16 mm, cujo original pertence aos arquivos da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Trata-se da formatura da primeira turma da Guarda Rural Indígena, que ocorreu em 5 de fevereiro de 1970, em Belo Horizonte, treinados por uma unidade de infantaria do exército brasileiro e pela polícia militar de Minas Gerais. Era constituída por 84 índios de diferentes nações. Na cerimônia, os índios desfilam de uniforme, botas e revólveres na cintura, juram diante da bandeira, fazem demonstrações de “defesa pessoal”, judô, e técnicas policiais de “condução de presos”. No final da apresentação, a Guarda Indígena encena um cortejo diante das autoridades, carregando um homem pendurado em um pau-de-arara. Por ocasião da cerimônia, um ministro discursou em nome do presidente Emílio Garrastazu Médici, exultando: “Nada até hoje me orgulhou tanto quanto apadrinhar a formatura […] da Guarda Indígena, pois estou certo de que os ensinamentos recebidos por eles, neste período de treinamento intensivo, servirão de exemplo para todos os países do mundo”. Três anos depois, a guarda já estava fora de controle e no final da década de 1970 será desmobilizada em virtude da excessiva violência empregada por seus membros no interior das reservas indígenas.
Photogram of "Lula, the son of Brazil" (2009), by Fábio Barreto.
With the election of Lula, the cycle of ambiguities involving the woodpecker finds its maximum expression. A president's stick was the best way for the country to take revenge on elites and violence against the poor, from which the police and their macaws had not, since the time of slavery, been subjected to vicious pretenses. But an image revealed in the context of the investigations of the National Commission of Truth again worries us.
One of his main contributions was to dedicate one of the chapters of his final report to human rights violations with peasants and indigenous groups. Far from the urban centers and the middle classes, these groups were not part of the imaginary pantheon of the victims of the dictatorship. This initiative is one of the most surprising revelations since the work of the Commission began: a fragment of 16 mm film, the original of which belongs to the archives of the Pontifical Catholic University of Goiás. occurred on February 5, 1970, in Belo Horizonte, trained by an infantry unit of the Brazilian army and by the military police of Minas Gerais. It was made up of 84 Indians from different nations. At the ceremony, Indians parade uniforms, boots and revolvers at the waist, swearing in front of the flag, demonstrations of "self-defense," judo, and police techniques of "driving prisoners." At the end of the presentation, the Indigenous Guard staged a procession before the authorities, carrying a man hanging on a macaw. On the occasion of the ceremony, a minister spoke on behalf of President Emílio Garrastazu Medici, exulting: "Nothing has so far made me as proud as to sponsor the graduation ... of the Indigenous Guard, for I am sure that the teachings received by them during this intensive training, will set an example for all countries in the world. " Three years later, the guard was already out of control and in the late 1970s will be demobilized because of the excessive violence employed by its members within the Indian reservations.
Picture of the movie "Arara" by Jesco von Puttkamer (Belo Horizonte, 1970)
This sequence impresses us by proving that torture techniques were taught to the natives and by making it clear that at some point during the dictatorship they were considered legitimate enough to be presented at an official ceremony before an audience of more than a thousand people , which included children. It also represents the most sublime allegory of the brazilian pau-de-arara, which parades in the arms of the first inhabitants of the earth. The sequence suggests that the practical centrality of the macaw, perceived by the prisoners, also had a symbolic dimension for the agents of repression. And it shows us that, under the brazilianness of the macaw, his naturalness was perversely tranquil.
It is a unique image, absolutely unique. During the term of the dictatorship, torture had no legal support - unlike censorship or incommunicado detention. The practice of torture has never been assumed - let alone publicly celebrated. Only very recently, some isolated testimonies of soldiers, with the Truth Commission, have admitted its existence. How is it possible that in 1970, at the height of repression, a parade of this kind happened? One of the answers that occurs to us requires that we go beyond the simple plane of evidence. The Indians are, in the framework of the legal statutes that protect them, unimpeachable. That is, they can only be tried by a joint court if their condition of complete acculturation is proven. No matter how much confidence the military had in their power and the protection of their superiors, their civilized status afforded them no legal immunity. The second allegorical dimension of this procession then becomes intelligible, after all, it was a Thursday, the eve of Carnival. Stolen by the brazen arms of the Brazilian Indians, the military paraded their own impunity. Impunity that would become, also for them, in inimputability. And torture, between Indians and parrots, has never been closer to our nature."http://iconica.com.br/site/wp-content/uploads/2016/01/output_1454205906.htm
Nossa sociedade tem seu sistema de segurança público débil, psicopatas glamurizados e fortalecidos por suas condições econômicas, sociais e políticas, assim se tornou inimputável todo e qualquer crime invisível praticado pelo Sistema de Torturas Psicotronicas (Naly de Araujo Leite).
"Toda sociedade que tem seu sistema de segurança público débil, terá psicopatas glamurizados."Dr.ª Ana Beatriz Barbosa, psiquiatra
Our society has its weak public safety system, psychopaths glamorized and strengthened by its economic, social, and political conditions, so that any and all invisible crimes practiced by the Psychotronic Torture System (Naly de Araujo Leite) have become unbearable.
"Every society that has its weak public safety system will have glamourous psychopaths." Dr. Ana Beatriz Barbosa, psychiatrist
OS TIS (indivíduos alvos) DO BRASIL compõem um novo grupo torturado no Brasil e no mundo.
Selecionado segundo critérios que envolvem a saúde pública, até QIs considerados em relatórios de unidades públicas como sendo altíssimos.
Através dos relatórios das Clínicas de Saúde Mental, ou se para escravidão sexual, uma foto, anúncio pode ser o gatilho da investida do sistema na vítima que se torna totalmente vulnerável e sem condição alguma de impôr negação a todos os atos de violência que serão cometidos a partir de seu aprisionamento por sistema de monitoração tecnológico.
Máfia da Saúde, Farmacológica, qualquer indício, interesse experimental com seres humanos pode ser o critério usado por um dos grupos que compõe o sistema.
Psicotronia é usada por muitos países de primeiro mundo, como Rússia, a exemplo.
Igreja de Mórmon, Salt Lake City, é a única que utiliza o sistema psicotrônico,assim como algumas Igrejas Espírita, para fins religiosos e não criminais.
O SISTEMA DE TORTURAS TECNOLÓGICAS usa a religiosidade é uma arma que esse sistema MARGINAL e criminoso usa para "tentar justificar suas práticas que de cunho religioso somente trazem a ironia a cada versículo Bíblico e o desrespeito por sua tradução".
Brasil nos apresentou um número elevado de vítimas, e no mundo são incontáveis.
O Poder Judiciário não reconhece as vítimas.
Os ativistas lutam, mas sequer conseguem realizar Audiências Públicas como meio de requerer representatividade para proposição de ação.
As Delegacias de Polícia são inviáveis pelo despreparo e orientação que recebem da cúpula do sistema composto por fortes e influentes cidadãos da sociedade.
O Poder Legislativo cria Leis como se para beneficiar mulheres brasileiras, mas em verdade, com essas leis a Polícia Judiciária desloca a culpa de tais torturas para companheiro e familiares, para acobertar o sistema, cito Lei Maria da Penha.
Chegando a Delegacia de Polícia, as vítimas são duvidadas, inclusive mentalmente, e isso é por organização do sistema, e colocando em risco seu companheiro, ex-companheiro, que são levados à Delegacia como prováveis suspeitos da ação de violência, isso ocorre por falta de preparo ou conivência das polícias.
Sem os três Poderes a luta encampada de resistência se torna mais difícil e vítimas, ativistas são perseguidas, não encontram emprego e quando ocorre, não conseguem trabalhar devido as torturas mentais por vozes intracranianas e pelo assédio sexual que sofrem por parte do sistema ininterruptamente.
Busquem maiores informações, caso interesse, sites:
THE TIS (target individual) OF BRAZIL make up a new group tortured in Brazil and in the world.
Selected according to criteria that involve public health, even QIs considered in reports of public units as being very high.
Through the reports of the Mental Health Clinics, or if for sexual slavery, a photo, announcement can be the trigger of the system's attack on the victim that becomes totally vulnerable and without any condition of imposing denial to all acts of violence that will be committed from its imprisonment by technological monitoring system.
Mafia of Health, Pharmacological, any indication, experimental interest with humans may be the criterion used by one of the groups that make up the system.
Psychotronia is used by many first world countries, such as Russia, for example.
Church of Mormon, Salt Lake City, is the only one that uses the psychotronic system, as well as some Spiritist Churches, for religious and non-criminal purposes.
THE SYSTEM OF TECHNOLOGICAL TORTURES uses the religiosity is a weapon that this criminal and criminal system uses to "try to justify its practices that of religious nature only bring the irony to each Bible verse and the disrespect for its translation".
Brazil has presented us with a high number of victims, and in the world are countless.
The Judiciary does not recognize the victims.
Activists struggle, but they can not even hold Public Hearings as a means of requiring representation for action propositions.
The police stations are unfeasible for the lack of preparation and guidance they receive from the top of the system composed of strong and influential citizens of society.
The Legislature creates Laws as if to benefit Brazilian women, but in truth, with these laws the Judiciary Police shifts the guilt of such tortures to companion and family, to cover the system, I quote Lei Maria da Penha.
Arriving at the police station, the victims are doubted, including mentally, and this is by organization of the system, and putting at risk their companion, ex-companion, who are taken to the police station as probable suspects of the action of violence, this occurs for lack of preparation or connivance of the police.
Without the three Powers the resistance struggle becomes more difficult and victims, activists are persecuted, find no job and when it occurs, they can not work due to the mental torture by intracranial voices and sexual harassment that suffer from the system uninterruptedly.
Look for more information, if interested, sites:
MOMENTO CULTURAL - CULTURAL MOMENT
POSTS/PUBLICAÇÕES//ANÁLISES//TRADUÇÕES//SELEÇÕES: NALY DE ARAUJO LEITE - SOROCABA CITY - SÃO PAULO STATE - BRAZIL
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Espero que meu trabalho de pesquisas e análises seja útil a todos. Por favor, somente comentários que ajudem no crescimento e aprendizado.Naly